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Alan Rusbridger: ‘Precisamos repensar o jornalismo’

2020-11-12. “Acho que precisamos fazer uma reconsideração geral sobre como fazer jornalismo, como explicá-lo, como fazer as pessoas perceberem que o que fazemos é diferente da massa caótica de informações que nos cerca”, disse o ex-editor do Guardian, Alan Rusbridger.

by Simone Flueckiger simone.flueckiger@wan-ifra.org | October 12, 2020

Por cerca de 20 anos Alan Rusbridger esteve na direção do jornal The Guardian, liderando a jornada de transformação digital dos antigos veículos de comunicação. Depois de deixar o cargo de editor-chefe, ele se tornou o Diretor da Lady Margaret Hall da Universidade de Oxford em 2015, mas está planejando deixar a faculdade no final do ano letivo para se concentrar em diversos projetos para enfrentar a crise da informação e da democracia. Seu novo livro “News and How to Use It” (As notícias e como usá-las, em tradução literal) será lançado em 26 de novembro.

Antes da sua apresentação na conferência virtual Digital Media LATAM da WAN-IFRA, onde ele participará de um bate-papo informal com o editor de El País, Javier Moreno, nos encontramos com Rusbridger para falar sobre a gestão de mudanças, as eleições dos EUA e a diversidade das salas de redação.

A entrevista foi editada para fins de concisão e clareza.

WAN-IFRA: Que conselhos você teria para os líderes de redação quanto à gestão de pessoal e de operações durante esses tempos de turbulência?

Alan Rusbridger: Acho que estamos em uma revolução tão grande e o futuro é tão incerto que muitas das velhas técnicas de liderança não funcionam mais.

Constatei que geralmente não funciona ficar na frente da sala de redação e dizer, ‘Acreditem em mim. Sigam-me. Esta é a minha bandeira. Tudo vai dar certo’, porque eles não acreditavam e estavam certos por não acreditar. E em geral eu estava errado sobre as coisas porque as circunstâncias mudaram. Então acho que o melhor é levar as pessoas que você está tentando liderar para o espaço mental que você está ocupando.

Às vezes isso significa levá-las a pensar nos problemas que estão fervilhando na sua mente, de modo que, mesmo que elas não concordem com você, no final, elas tenham percorrido o processo de pensamento. É um estilo de liderança muito mais consultivo e muito mais aberto.

Como você acha que essa pandemia vai impactar o jornalismo e as organizações de notícias no longo prazo?

Provavelmente pela primeira vez na vida para muitos jornalistas, eles vão ver o jornalismo como uma questão de vida e morte. Realmente é importante que eles façam a coisa certa e que ajam com responsabilidade, já que o que estão fazendo é um serviço público para a comunidade. É muito importante haver uma fonte de informação limpa. Então eu acho que isso é muito específico do jornalismo.

De certa forma, você poderia engarrafar isso e levar para o futuro, de modo a manter essa ideia de jornalismo como serviço público e como aquilo que o público precisa saber. Sabemos que estamos vivendo em um mar de desinformação e num caos da informação, então acho que isso reforça bastante a ideia central do jornalismo. Na verdade, tem sido muito prejudicial em termos do modelo comercial, mas acho que o modelo comercial tem que mudar de qualquer modo.

O que você acha que pode ser a maior ameaça para as salas de redação?

Isso é muito difícil e eu sei disso, principalmente para as pessoas que estão na área há 20, 30 anos, mas precisamos repensar o que é o jornalismo e como o fazemos. Por que os níveis de confiança no jornalismo não são bons em vários mercados e países?

Realmente precisamos fazer uma reconsideração geral sobre como fazer o jornalismo, como explicá-lo, como fazer as pessoas perceberem que o que fazemos é diferente da massa caótica de informações que nos cerca.

É uma coisa muito grande e transformadora. Mas eu acho que temos que reestruturar o jornalismo como um serviço público. Agora, se você puder ganhar dinheiro com isso, aí é fantástico. Mas tem que haver um plano B, e o plano B pode ser que, assim como vários serviços públicos, não há como ganhar dinheiro com policiamento, efetuação de uma prisão ou com um serviço de ambulância, mas precisamos dessas coisas na sociedade.

Acho que precisamos de jornalistas e de notícias confiáveis. Temos visto, de modo bem assustador nos últimos 10 anos, o quanto é terrível viver em uma sociedade em que as pessoas não podem concordar sobre quais são os fatos ou quais são as evidências.

Acho que isso realmente nos incentiva a pensar sobre a missão que estamos cumprindo. Além disso, eu acho que precisamos começar a repensar as estruturas corporativas também.

Quando vemos os EUA, onde a mídia tem sido constantemente agredida pelo Presidente Donald Trump, será que essas organizações de notícias podem se recuperar disso? E será que existe uma maneira para que elas alcancem esses segmentos do público que vêm essencialmente seguindo Trump cegamente?

Obviamente eu não acho que Donald Trump seja bom para o jornalismo, e ele fez tudo para deslegitimar o que fazemos. De certa forma, ele atacou o melhor do jornalismo, pois acho que ele pensou que ‘se eu puder fazer com que as pessoas duvidem disso, elas vão acreditar em qualquer coisa, e podem também acreditar em mim’. E, lamentavelmente, esse é o modelo de liderança que se espalhou em todo o mundo.

Acho que é possível lutar contra isso de duas formas: uma é fazer o que muitos jornalistas norte-americanos fizeram, que é continuar o seu trabalho e mostrar o seu valor pela veracidade da sua comunicação. É muito bom ver o aumento vertiginoso das assinaturas para as pessoas que se mantiveram fiéis a isso, e mantiveram o barco andando e investiram no jornalismo.

A outra forma de recuperar a confiança é pensar nela pelo foco do século XXI. O modo de pensar do século XX sobre a confiança era ‘Eu sou o estúdio de transmissão. Eu sou o jornal. Eu sou um jornalista, então acredite em mim’.

E isso pode ter funcionado em uma época em que não havia outra forma de avaliar. Mas agora vivemos em um mundo onde quatro bilhões de pessoas podem falar umas com as outras. Os jornalistas precisam começar a pensar em como podem ganhar confiança.

Como você disse, Trump foi ruim para o jornalismo, mas ao mesmo tempo ocasionou um pico nas assinaturas. Existe um risco de que as organizações de notícias continuem a cobrir amplamente o Trump para continuar a capitalizar esse interesse que existe nele?

Pessoalmente, acho que seria saudável que ele saísse para jogar golfe, isso parece deixá-lo feliz e diminui a quantidade de danos que ele pode causar.

Falando sério, foi muito interessante na semana passada quando ele estava discursando aquelas bobagens perigosas e as redes o cortaram. Finalmente, o Twitter e, até certo ponto, o Facebook começaram a inserir avisos dizendo que a mensagem estava incorreta.

Eu acho que essa questão de como as principais organizações de notícias manipulam a desinformação e a informação falsa vai se tornar muito premente, e talvez de tal forma que tenhamos quase que agradecer a Donald Trump por nos forçar a pensar nisso.

Com Trump apostando nas alegações de fraudes eleitorais e anunciando que sua equipe fará comícios para divulgar isso, por um lado você tem que noticiar, mas por outro também se arrisca a amplificar essa mensagem e divulgá-la para um público maior?

É difícil. Ele é o presidente dos Estados Unidos, e você pode imaginar a repercussão se parecesse que uma organização de notícias estava tentando censurá-lo. Mas é extremamente perigoso se você ligar as câmeras e der a ele acesso incontestado à sua plataforma de notícias para falar o que quiser. Assim, é interessante ver uma variedade de técnicas de como fazer as duas coisas, comer o bolo e ficar com ele.

Eu acho que é preciso mostrar quem ele é. Ele é um mentiroso. Um fantasioso. Mas aqui ele usa suas próprias palavras. O nosso trabalho também é dizer que o que ele está falando não é verdade. É um equilíbrio difícil. Quanta corda você deve dar a ele e o quanto deve interrompê-lo ou se interpor entre ele e o público em tempo real para impedir que ele engane as pessoas?

Você poderia falar um pouco sobre seu papel no Conselho de Supervisão do Facebook? Qual é a situação atual, o que você aprendeu?

Até agora foi uma jornada um pouco frustrante porque nunca nos reunimos. Fomos indicados mais ou menos quando a pandemia fechou o mundo. E isso significou que todos os planos de nos conhecermos uns aos outros, sermos treinados e decidirmos como queríamos trabalhar estão levando muito mais tempo. Mas agora estamos abertos para as atividades e espero que comecemos a trabalhar nos primeiros julgamentos a qualquer momento. Também estou muito impressionado com a qualidade e a diversidade do conselho, são pessoas de todo o mundo e com diversas origens.

Foi muito interessante receber os casos de teste, os fatos reais que o Facebook teve que tratar e pensar sobre o que você faria nesses casos, como iria avaliá-los e que estrutura você usaria para ter uma abordagem consistente. Existe um escopo bem limitado para começar, o que é bom, mas já posso prever que com o tempo talvez seja preciso ampliar um pouco a nossa competência.

Se vai funcionar? É muito cedo para dizer. É um problema muito grande para tentar resolver. Não creio que possamos resolvê-lo totalmente. Mas até agora, estou impressionado com a seriedade da intenção e o rigor dela, portanto é um prazer fazer parte desse conselho.

De acordo com um relatório recente do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, a maioria dos entrevistados achou que suas organizações de notícias atuaram bem em termos de diversidade nos escalões mais baixos, mas apenas uma minoria achou o mesmo sobre o alto escalão. Você está surpreso com essa discrepância?

Infelizmente, é algo que temos discutido por 10 ou 20 anos e o progresso tem sido lento. Bom, existem todos os tipos de desculpas para isso. É mais difícil fazer mudanças em um setor em declínio do que em um setor em expansão. Obviamente, se você estiver fazendo muitas demissões e não estiver empregando pessoas, é muito difícil contratar redações diversificadas. E infelizmente, o treinamento dos jornalistas ficou atrasado e muitos dos caminhos para o jornalismo nos quais você poderia começar no âmbito local foram dizimados.

Portanto, é um problema recorrente, mas não creio que tenha sido comunicado nenhum tipo de urgência e que mais pessoas estejam agora achando que isso é algo que deve ser abordado, e deve ser abordado por boas empresas e motivos editoriais. Geralmente, as empresas diversificadas são boas empresas, e se você vai refletir a sociedade e fazer um relatório, mas a sua redação não parece em nada com a sociedade que está sendo analisada, a probabilidade é que você não vá fazer um estudo tão bom quanto deveria.

As pessoas não vão confiar em você porque não acham que você as compreende. Assim, a mudança tem que acontecer e a questão é como você pode acelerar esse processo e como pode conseguir pessoas para os cargos de direção, de modo que elas possam dar as ordens em vez de operar em um nível mais baixo nessas organizações.


De IA a robôs, da crise climática até as notícias falsas, de clickbaits (iscas de cliques) a ogros (e muito mais), o livro News And How to Use It de Alan Rusbridger é o guia do usuário certo para quem quer ficar informado, distinguir a verdade da mentira e fazer com que os que estão no poder sejam responsáveis na idade moderna. Lançamento em 26 de novembro.

 

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